Continua a discussão do Funrural

Apesar de inúmeras decisões da Corte Suprema, condenando a contribuição social do Funrural em razão da base de cálculo prevista pelo legislador ordinário não ser compatível com o texto constitucional, a discussão acerca dela ainda continua, agora, em sede de Recurso Extraordinário aonde se reconheceu a existência de repercussão geral, como adiante veremos.

A base de cálculo da contribuição social prevista nos incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212/91 referia-se a “receita bruta proveniente da comercialização de sua produção.”

Transcrevamos o citado art. 25 para melhor exame pelo leitor:

“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social é de:

I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;

II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho.”

Na época, vigia a redação original do art. 195, I da CF/88 que prescrevia como base de cálculo o faturamento.

Questionada aquela base de cálculo, o STF declarou a sua inconstitucionalidade no RE n° 363.852/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, Dje de 23-4-2010.

A Lei nº 8.540, de 22 de dezembro de 1992 conferiu nova redação ao caput do art. 25 da Lei nº 8.212/91, mantendo as redações dos incisos I e II.

Nova inconstitucionalidade foi declarada, agora, em sede de repercussão geral, em virtude da exigência de dupla tributação caso o produtor rural seja empregador e também pela necessidade de lei complementar para a instituição de nova fonte de custeio para a seguridade social (RE nº 596177/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 29-8-2011).

Para melhor exame pelo leitor transcreve-se a nova redação atual dada ao art. 25 da Lei nº 8.212/91:

“Art. 25. A contribuição da pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso II do art. 12 desta lei, destinada à Seguridade Social, é de:

I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;

II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho”.

Na discussão que se travou entre a receita bruta e o faturamento defendíamos o ponto de vista de que cessada a causa da inconstitucionalidade pela superveniência da EC nº 20/98, cessa-se o efeito.

Se antes da EC nº 20/98 a base de cálculo era o faturamento e não a receita, depois dela as duas expressões passaram a figurar no texto constitucional: receita ou faturamento, conferindo ao legislador ordinário a faculdade de escolha.

Mas, a Corte Suprema, que dá a última palavra em matéria de interpretação de Constituição, firmou a tese de que o nosso ordenamento jurídico não reconhece a figura de constitucionalidade superveniente (RE nº 357.950/RS. Rel. Min. Marco Aurélio. DJ de 6-2-2006).

Esse posicionamento jurisprudencial obriga o legislador ordinário a reproduzir o preceito legal impugnado em data posterior à modificação constitucional introduzida. No caso, o art. 195, I da CF que se referia ao faturamento passou a referir-se à receita ou faturamento a partir da redação conferida pela EC nº 20, de 15 de dezembro de 1998.

Só duas observações cabem fazer nesse caso específico.

Primeiramente, não havia pronunciamento de inconstitucionalidade da base de cálculo de contribuição social antes do advento da EC nº 20/98. Em segundo lugar, a base de cálculo impugnada não se referia simplesmente à “receita bruta” como na legislação do PIS/COFINS. Aquela expressão sempre foi adjetivada pela expressão “proveniente de comercialização de sua produção”.

Parece-nos que a expressão “receita bruta proveniente de comercialização de sua produção” equivale à expressão “faturamento”, pois aquela expressão exclui da base de cálculo qualquer valor ou importância que não represente o faturamento da produção. Se referisse simplesmente à “receita bruta” aí sim, estaria compreendendo toda receita que o contribuinte auferir a título de juros de mútuo, aluguel de bens móveis ou imóveis etc. Não é o caso sob exame, que limita a tributação ao valor de venda da produção do contribuinte.

Agora, a nova lei, a de nº 10.256, de 9 de julho de 2001, portanto, posterior à EC nº 20/98, alterou o caput do art. 25 da Lei nº 8.212/91 mantendo as redações dos incisos I e II que já estavam em harmonia com a redação conferida pela superveniente EC nº 20/98, ou seja, “receita bruta proveniente de comercialização da sua produção”.

Entretanto, novo questionamento foi feito sob o fundamento de que a nova lei manteve a redação tida anteriormente como inconstitucional.

A matéria está sub judice no STF, no RE nº 71.8874/RS, de Relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, no qual foi reconhecida a existência de repercussão geral.

Parece-nos que não era o caso de alterar base de cálculo da contribuição social. A inconstitucionalidade antes declarada foi no sentido de que na época da elaboração legislativa do art. 25 da Lei nº 8.212/91 e alterações posteriores, porém, antes da EC nº 20/98, não era possível adotar a receita bruta como base de cálculo, nada impedindo que a legislação posterior à EC nº 20/98 adote ou mantenha aquela base cálculo. Mas, caberá à Corte Suprema esclarecer eventual dúvida, decidindo em definitivo essa controvérsia que vem sendo suscitada nos diferentes tribunais por mais de uma década.

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