Controvérsias acerca do crédito-prêmio

 

O incentivo fiscal instituído pelo Decreto-lei no 491, de 5-3-69 a favor das empresas fabricantes e exportadoras de produtos manufaturados é um dos temas que mais tomaram o tempo dos tribunais por conta de imprecisões legislativas a ocasionar decisões judiciais divergentes. O art. 1o do Decreto-lei no 1.724, de 7-12-79, delegou ao Ministro da Fazenda a faculdade reduzir, suspender ou extinguir a aludido incentivo fiscal. O Decreto-lei no 1.894, de 16-12-81, que estendeu o benefício fiscal a trading companies, em seu art. 3o, inciso I, também outorgou ao Ministro da Fazenda a idêntica faculdade de reduzir, suspender ou extinguir esse incentivo fiscal. Em consequência, uma série de Portarias Ministeriais foram editadas. Ademais, o Decreto-lei no 1.658, de 24-1-79, promoveu a redução gradual desse incentivo, reduzindo-o até 30% de janeiro a dezembro de 1979, 20% em 1980, 20% em 1981, 20% em 1982 e 10% em 30-6-83. O Decreto-lei no 1.722, de 3-12-79, que modificou a forma de utilização do crédito reproduziu as reduções determinadas pelo Decreto-lei nº 1.658/79 a serem implementadas a partir do exercício de 1980.

Contudo, o STF declarou a inconstitucionalidade das delegações retro-referidas e considerou vigente o incentivo até 30-6-83, quando se deu a última redução nos termos do Decreto-lei nº 1.658/79 e do Decreto-lei nº 1.722/79.[1] O STJ, por sua vez,  entendeu que o incentivo fiscal findou-se em 30-6-1983 ou, na melhor das hipóteses, em  5-10-1988 pela aplicação do § 1o, do art. 41, do ADCT.[2] Finalmente, o STF analisando o tema sob o prisma constitucional e aplicando o mesmo § 1o, do art. 41, do ADCT, chegou à conclusão de que o incentivo em questão terminou em 5-10-1990.[3]

A insegurança jurídica nessa questão é total por conta das legislações confusas e decisões judiciais díspares.

Não concordamos com a tese de que o mencionado incentivo foi ratificado no prazo bienal de que cuida o § 1o, do art. 41, do ADCT, como sustentado por alguns autores, com base no art. 18, da Lei no 7.739, de 16-3-1989, que conferiu nova redação à letra “b” do § 1o do art. 1º do Decreto-lei no 1.894, de 16-12-1981. É que essa alínea “b” refere-se ao crédito do IPI mencionado no inciso I do art. 1o do citado Decreto-lei e não ao crédito-prêmio que está referido no inciso II do mesmo art. 1o. Aliás, por ocasião do advento da Constituição de 1988 o aludido incentivo fiscal não mais vigorava por conta da sua redução gradual que em 30-6-83 alcançou os 100% do valor incentivado, o que tem o mesmo efeito de extinção do incentivo fiscal.

O STJ após reafirmar em vários julgados que o aludido incentivo fiscal foi mantido, sem definição de qualquer prazo final porque não sendo um incentivo de natureza setorial não foi afetado pelo art. 41 do ADCT[4], ante a divergência de entendimentos, levou a discussão para a Primeira Turma do Colendo STJ que decidiu, por maioria de votos, que o crédito-prêmio sob análise foi extinto em 30 de junho de 1983[5].

Quando, a final, foi extinto esse incentivo fiscal? Em 30-6-1983 como entende o STJ, ou 5-10-1990 como quer o STF? Enfim, a discussão sobre o assunto não se encerrou, ainda, no plano infraconstitucional. No nosso entender o crédito prêmio continua vigorando por força do art. 1º, incisos II e III da Lei nº 8.402, de 8-1-1992 que reinstituiu o aludido incentivo fiscal com efeito retroativo a 5 de outubro de 1990, data em que o STF havia assinalado como termo final de sua vigência. Vejamos:

“Lei nº 8.402, de 8 de janeiro de 1992

Restabelece os incentivos fiscais que menciona e da outras providências.

Art. 1º São restabelecidos os seguintes incentivos fiscais:

II – manutenção e utilização do crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados relativo aos insumos empregados na industrialização de produtos exportados, de que trata o art. 5º do Decreto-lei nº 491, de 5 de março de 1969;

III – crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre bens de fabricação nacional, adquiridos no mercado interno e exportados de que trata o art. 1º, inciso I, do Decreto-lei nº 1.894, de 16 de dezembro de 1981;

Art. 2º Os efeitos do disposto no artigo anterior retroagem a 5 de outubro de 1990”.

A clareza dos textos retrotranscritos dispensa maiores comentários. A reinstituição não se confunde com a ratificação ou confirmação de que cuida o art. 41 do ADCT, pelo que essa norma transitória é ininvocável, mesmo porque a reinstituição se deu após a promulgação da Constituição de 1988. Reinstituição ou restabelecimento significa, por óbvio, que o incentivo anterior não mais existia no mundo jurídico[6].  E inexistindo vedação constitucional nada impede de o legislador ordinário instituir novos incentivos fiscais, ainda, que nos termos anteriormente existentes, desde que obedecida a formalidade de lei específica, como é o caso da Lei nº 8.402/92 (§ 6º, do art. 150 da CF). Pode-se, entretanto, sustentar que o incentivo fiscal sob comento não vigorou no período de 1º-7-83 a 4-10-90 porque o seu restabelecimento só se deu a partir de 5-10-90.

SP, 12-4-17.

 

* Jurista, com 32 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito.  Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

[1] RE no 186.339-RS, Rel Marco Aurélio, DJ de 10-5-2002, e RE no 208.260-RS, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio, DJ de 28-10-2005. O curioso é que a soma das reduções determinadas pelo Decreto-lei no 1.658/79 (30% no total) e pelo Decreto-lei no 1.722/79 (50% no total) conduz à permanência de 20% do incentivo fiscal.

[2] Resp nº 591.708/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 9-8-2004. Na verdade, o referido preceito exige a ratificação do incentivo setorial no prazo de dois anos a contar da promulgação da Constituição de 1988.

[3] RREE nos 561.1485/RS e 577.348-RS, ambos de Relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, DJe no 151, divulgado em 12-8-2009 e publicado em 13-8-2009.

[4] AgRg nos EDcl no Resp nº 380575/RS, DJ 5-3-2004; AGREsp nº 329254/RS, DJ18-2-2002; Resp nº 329271/RJ, DJ 8-10-2001 e Resp nº 576873/AL, DJ 16-2-2004;

[5] Resp nº 541.239/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 28-3-2008.

[6] Com a última redução de 10% em 30-6-83 determinada pelos Decretos-leis nºs 1.658/79 e 1.722/79 completou-se os 100% do valor do benefício o que equivale à extinção desse benefício fiscal que veio a ser reinstituído após quase uma década.

Relacionados