Distinções entre impeachment por crime de responsabilidade, perda de mandato por ato de improbidade administrativa e cassação de mandato por violação de legislação eleitoral

Em virtude da semelhança de nomes ou da identidade de efeitos reina bastante confusão entre crime de responsabilidade, ato de improbidade administrativa e cassação de mandato por violação da legislação eleitoral.

Procuraremos em apertada síntese fazer as distinções necessárias.

Impeachment é o nome que se dá ao afastamento preventivo do acusado com a instauração do processo de julgamento no Senado Federal após o recebimento da procedência da acusação proclamada por dois terços dos membros da Câmara dos Deputados, que tem efeito vinculante, não dando oportunidade de revisão pelo Senado Federal, como acontece na hipótese de processo legislativo. Ao Senado compete apenas suspender o acusado de suas funções pelo prazo de 180 dias e iniciar o processo de julgamento presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa do acusado. O impeachment está previsto no art. 85 da CF e o seu processo está regulado na Lei nº 1.079/50 que sofreu parcial modificação pelo art. 86 da Constituição de 1988. Essa Lei nº 1.079/50 regulamentou o impeachment, então previsto no art. 89 da Constituição de 1946, praticamente transposto, na íntegra, para o art. 85 da atual Constituição de 1988. Regulou do ponto de vista substancial e processual, esgotando a matéria. Os regimentos internos da Câmara Federal e do Senado Federal aplicam-se apenas subsidiariamente ao processo de impeachment.

Importante esclarecer que não há que se falar em impeachment baseado em outras legislações, ressalvado, evidentemente, o impedimento do governante pela violação do caput do art. 85 da CF, como no caso frequentíssimo de abertura de crédito extraordinário por medida provisória, para cobrir despesas correntes, implicando afronta direta ao § 3º, do art. 167 da CF, que somente permite a abertura de crédito extraordinário para atender despesas imprevisíveis e urgentes decorrentes de guerra, comoção interna e calamidade pública. Imprevisibilidade da despesa, por óbvio, não se confunde com despesa imprevista. Entretanto, apesar das reiteradas decisões do STF declarando a inconstitucionalidades da abertura desses créditos extraordinários para custeio de despesas correntes, o governo continua fazendo essas aberturas semanalmente, esvaziando e desfigurando a Lei Orçamentária Anual.

Outrossim, até juristas de renome costuma invocar a Lei nº 8.429/92, que define os atos de improbidade administrativa nas três modalidades previstas nos arts. 9º, 10 e 11, para caracterizar o crime de responsabilidade. Essa lei prevê a pena de perda da função pública, suspensão de direitos políticos e multas pecuniárias. Os arts. 14 e seguintes regulam os procedimentos administrativos e o processo judicial para apuração do ato de improbidade. O processo judicial, por meio de uma ação ordinária, tem início na primeira instância quem quer que seja o réu e não contempla o impeachment, ou seja, o afastamento preventivo do agente público no exercício de suas funções. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 20). O afastamento justificado do agente público do exercício do cargo somente ocorre na hipótese em que se fizer necessária à instrução processual (parágrafo único do art. 20). Se o réu não estiver atrapalhando a instrução processual descabe o seu afastamento do cargo.

A Lei nº 8.429/92 regulou por inteiro os casos de improbidade administrativa e prescreveu o seu processo de apuração desses atos contrários à probidade na administração pública. Nada tem a ver com o atentado contra a probidade na administração de que cuida o art. 85, V da Constituição de 1988. Esse atentado contra a probidade na administração pública está regulado no art. 9º da Lei nº 1.079/50 elaborada na vigência da Constituição de 1946, nos seguintes termos:

 

Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na adminis­tração:

  1. omitir ou retardar dolosamente a publicação das leis e resoluções do ­Poder Legislativo ou dos atos do Poder Executivo;
  2. não prestar ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertu­ra da sessão legislativa, as contas relativas ao exercício anterior;
  3. não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando mani­festa em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição;
  4. expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expres­sas da Constituição;
  5. infringir, no provimento dos cargos públicos, as normas legais;
  6. usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagi-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se de suborno ou de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo fim;
  7. proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.

Os recentes episódios de nomeação do ex Presidente para o cargo de Ministro com manifesto desvio de finalidade violam cristalinamente os incisos 5 e 7 do citado art. 9º, ficando caracterizado o crime de responsabilidade. Basta examinar o art. 37 da CF onde estão enumerados os princípios que regem a administração pública, dentre os quais, o da legalidade, o da impessoalidade e o da moralidade. Isso sem contar a omissão da Presidente na tomada de medidas contra subordinados que praticam delitos funcionais ou atos contrários à Constituição incidindo na violação do inciso 3.

Quanto aos crimes de responsabilidade por violação de lei orçamentária referidos no inciso VI do art. 85 da CF estão definidos no art. 10 da Lei nº 1.079/50, elaborada na vigência do art. 89 da Constituição de 1946, nos seguintes termos:

“Art. 89 – São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal e, especialmente contra:

I – a existência da União;

II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciári9o e dos poderes constitucionais dos Estados;

III – o exercício dos direitos políticos individuais e sociais;

IV – a segurança interna do país;

VI – a lei orçamentária;

VII – a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos;

VIII – o cumprimento das decisões judiciárias.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento”.

Como se verifica, o parágrafo único mantido pelo art. 85 da atual Constituição de 1988 manda definir em lei especial os crimes e as normas de processo e julgamento.

Foi o que fez a Lei nº 1.079/50 que em seu art. 10 definiu os crimes por atentado à lei orçamentária in verbis:

“Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária.

  1. não apresentar ao Congresso Nacional a proposta do orçamento da República
  2. exceder ou transportar, sem autorização legal, as verbas do orçamento;
  3. realizar o estorno de verbas;
  4. infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária
  5. deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (AC)[1]
  6. ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (AC)[2]
  7. deixar de promover ou de ordenar na forma da lei o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei; (AC)[3]
  8. deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercícios financeiros; (AC)[4]
  9. ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; (AC)[5]
  10. captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (AC)[6]
  11. ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que o autorizou; (AC)[7]
  12. realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei”. (AC)[8]

 

Somente os incisos 1 a 4 regulamentam efetivamente o art. 89, inciso VI da Constituição de 1946 repetido no art. 85, inciso VI da CF de 1988. Os demais incisos foram acrescidos pela Lei nº 10.028/2000. Dessa forma, parece-nos que a Lei nº 10.028/2000 ao introduzir os incisos 5 a 12 ao art. 10 da Lei nº 1.079/50, que cuida do crime de responsabilidade por atentado contra a lei orçamentária, extrapolou dos limites constitucionais, confundindo Lei Orçamentária com Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. Como vimos, são apenas três as leis orçamentárias: a Lei do Plano Plurianual (PPA); a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Contudo, há opiniões em contrário. Advirta-se, porém, que em qualquer caso, nenhuma outra infração à LRF tirante as hipóteses dos incisos 5 a 12 da Lei nº 1.079/50, certo ou errado, acrescidos pela Lei nº 10.028/2000, configura crime de responsabilidade, notadamente, a infração do seu art. 36[9] apontado pela mídia como caracterizador do crime de natureza política a ensejar o impeachment.

Finalmente, resta examinar a cassação de mandato que se dá perante o Superior Tribunal Eleitoral por infração à legislação eleitoral. A exemplo da Lei nº 8.429/92 que define os atos de improbidade administrativa esse processo de natureza eleitoral, também, não comporta impeachment. Somente com a decisão judicial final transitado em julgado será possível a cassação do mandato.

No caso que está sendo julgado pelo TSE atualmente envolve violação da legislação eleitoral por abuso do poder econômico nas campanhas eleitorais de 2014 agravada pelo emprego de dinheiro ilícito. O que foi objeto de impugnação é a conta de despesas apresentada pelo PT e não a do PMDB, embora o Presidente e o Vice-Presidente tenham formado uma chapa única. Há divergência de opiniões quanto a cassação de um mandato ou de ambos em caso de ser acolhida e impugnação apresentada pelo PSDB.

Embora sejam contas diferentes, não há dúvida de que ambos os candidatos foram beneficiados com a propaganda eleitoral levada a efeito com emprego de dinheiro sujo, hipótese em que ambos deveriam ser cassados. A outra tese é a de que a conta apresentada pelo PSDB foi aprovada pelo Tribunal, por isso a rejeição da conta do PT do PT não pode implicar contaminação da outra conta, a do PSDB. Caberá ao TSE o pronunciamento definitivo a respeito.

* Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito.  Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

[1] Acrescentado pela Lei nº 10.028, de 19-10-2000.

[2] Acrescido pela Lei nº 10.028, de 19-10-2000.

[3] Acrescido pela Lei nº 10.028, de 19-10-2000.

[4] Acrescido pela Lei nº 10.028, de 19-10-2000.

[5] Acrescido pela Lei nº 10.028, de 19-10-2000.

[6] Acrescido pela Lei nº 10.028, de 19-10-2000.

[7] Acrescido pela Lei nº 10.028, de 19-10-2000.

[8] Acrescido pela Lei nº 10.028, de 19-10-2000.

[9] Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.

Relacionados