Em poucas palavras 21

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Kiyoshi Harada
Jurista e Professor

 

Reforma tributária na contramão do discurso governamental 

Como todos sabem, a tônica do discurso do governo em relação aos tributos tem sido a redução de sua carga, convencido de que é um fator indispensável à retomada do crescimento econômico. Devolver o oxigênio ao setor produtivo cambaleante tem sido a técnica de todos os governos estrangeiros.

De fato, logo no início do governo o Ministro Paulo Guedes disse que tributar 20% do PIB é o quinto dos infernos. O Presidente Bolsonaro, também, reiteradas vezes anunciou a redução do peso da imposição tributária, além de adotar outras providências para não atrapalhar quem está ou quer produzir.

Mas, na prática tudo continua como nos governos anteriores. A cada anúncio de redução tributária segue-se um aumento fenomenal de tributos. Tenho a impressão que as palavras mudaram de sentido.

Na própria PEC nº 6/19 – Reforma da Previdência – elaborada pelo Executivo embutiu-se sub repticiamente expansão do campo de incidência da contribuição previdenciária e, por proposta do Legislativo, houve aumento da CSLL a ser paga pelo setor bancário.

Na PEC nº 45/19, de autoria do Deputado Baleia Rossi, que tramita celeremente na Câmara dos Deputados, sem qualquer participação do Executivo que assiste de camarote, o mais próspero setor de atividade econômica, o setor de serviço é duramente atingido, como se crescimento fosse algo que deva ser contido e castigado. Prestadores de serviços que não pagam o IPI, o ICMS e até PIS e Cofins (pessoas físicas) passarão a pagar esses tributos, após a sua unificação em torno do IBS. Os profissionais liberais reunidos em torno de uma sociedade sob o regime do lucro presumido, por exemplo, que pagam em medida cerca 4,38% de ISS, com a aprovação do IBS a uma alíquota noticiada de 25%, passarão a pagar no mínimo 300% a mais. Impacto maior poderão sofrer os profissionais autônomos, podendo chegar a 700% a mais, porque adicionado será ao ISS não apenas o IPI e o ICMS, como também o PIS/COFINS que o regime atual não os alcança. Como disse o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, quem afirmar que a reforma tributária vai diminuir a carga tributária está mentindo.

É bom atentar para essa brutal elevação da carga tributária antes de ficar aplaudindo freneticamente a PEC º 45/19 que, em nome da simplificação, busca implantar o mais complicado sistema tributário de que se tem notícia, desde a primeira Constituição Republicana de 1891. Essa Reforma que acaba com a forma federativa do Estado, ao incorporar cerca de 40 conceitos novos a serem operados por um sistema de triunvirato, tem tudo para incendiar o cenário jurídico-tributário, piorando a atuação do Judiciário que já está bastante ruim em termos de duração razoável do processo. Não é preciso dez anos de transição para ver se vai dar certo a troca do sistema tributário. Basta simples leitura dessa proposta para se ter uma ideia do grau de complexidade, de imprecisão conceitual, da notória dificuldade operacional e da insuportável elevação da carga tributária e carga burocrática a travar a economia do País.

 

Aumento tributário em preparação 

Além do fantástico aumento de tributos embutido na complicada PEC nº 45/19, que cria o famigerado IBS, por iniciativa do Legislativo, existem planos do Executivo para exacerbar essa carga tributária de há muito saturado, indo muito além dos limites da razoabilidade.

Cogita-se eliminar a dedução de despesas médicas no IR; cogita-se tributar os dividendos sem a contrapartida da supressão da tributação de lucros na pessoa jurídica; pensa-se em emplacar a tributação sobre pagamentos, uma nova versão da CPMF.

O governo fala muito em baixar o nível da tributação, mas quando a arrecadação despenca não procura detectar as suas causas. Pensa-se logo em compensar com o aumento da carga tributária, que pode aliviar as finanças públicas no curto prazo, mas a médio e longo prazos provocarão o aprofundamento da recessão econômica e consequente queda na receita tributária. E assim cria-se um círculo vicioso. O governo é incapaz de inspirar-se nos exemplos de outros Países desenvolvidos que reduzem a carga tributária quando há sinais indicativos de queda da produção.

O Brasil não consegue enxergar o óbvio e elementar, porque busca o resultado imediato sem pensar nas consequências. Foi assim que a carga tributária de 22% da década de oitenta foi subindo para 25%, 27%, 29%, 30%, 32% até chegar aos atuais 36% do PIB. Assim, não há como fazer a economia crescer.

Para fazer com que todos paguem além do limite se sua capacidade contributiva o governo vai patrocinando a instituição de um número infindável de sanções políticas que vão desde a inscrição do nome do inadimplente no CADIN, sonegação da certidão negativa de tributos, protesto da dívida ativa; arrolamento de bens, bloqueio universal de bens via on line e, agora, orienta seus órgãos jurídicos a requer prisão de devedores de impostos. Essa política tributária vai acabar matando a galinha dos ovos de ouro.

 

Imposto único para as três esferas de tributação 

Ao invés do complicadíssimo IBS, a ser criado por meio da fusão de tributos federais de espécies diferentes (PIS, COFINS e IPI) com imposto estadual (ICMS) e com o imposto municipal (ISS) e a ser regulamentado pelo Comitê Gestor, um triunvirato formado por representantes da União, dos Estados e dos Municípios com poderes de representação extrajudicial e judicial, é preferível a implantação do imposto único, porém, aperfeiçoado de forma a respeitar a forma federativa do Estado protegida em nível de cláusula pétrea.

Nessa proposta haveria um imposto único federal centrado na movimentação financeira ou no pagamento, aproveitando-se a experiência haurida com a cobrança da CPMF. Aos Estados caberia o imposto único incidente sobre o comércio de mercadorias o que preservaria a jurisprudência formada em torno do ICMS. Ao Município caberia a tributação dos serviços definidos em lei complementar a exemplo do atual ISS com o que se aproveitaria a doutrina e a jurisprudência formada durante três décadas de vigência desse imposto.

Como de hábito dirão que é simples demais para ser aprovada. Poderão, se quiserem, complicar um pouco inventando na lista de serviços algumas exceções como, por exemplo, o serviço de taxidermia, excetuada a fêmea do pássaro negro com cabeça semi-avermelhada, mais ou menos na mesma linha da enumeração dos produtos sujeitos ao regime substitutivo da CPRB.

 

Na prática a teoria é outra 

Nunca um governo combateu tanto a chamada velha política, conseguindo azedar o relacionamento entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo.

Quer queira ou não o sistema de governo vigente – presidencialismo de coalização – conduz inexoravelmente à política de troca de interesses, sem o que o governo funcionará como um centro industrial de crises. Portanto, os discursos olavistas ou carvalhistas só tendem a atrapalhar a administração pública do País.

A aprovação do texto básico da reforma previdenciária custou a abertura de torneiras do Tesouro com o empenho de R$2,7 bilhões em apenas 10 dias. O apoio ao projeto de reforma foi crescendo na exata proporção da liberação de recursos oriundos de emendas parlamentares.

É melhor ajustar o discurso à realidade e tocar o barco para frente.

 

O absurdo Fundo Partidário 

Partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado sendo, portanto, indevida e ilegítima a destinação de recursos públicos para eles.

Entretanto, a LDO de 2020 embute uma verba de R$3,7 bilhões para financiar as campanhas de políticos que gastam o dinheiro dos contribuintes antes, durante e muitos deles, após o exercício do mandato eletivo.

Esse fundo partidário padece do vício formal de inconstitucionalidade por contrariedade ao inciso II, do § 9º, do art. 165 da CF que exige prévia regulamentação, por lei complementar, das hipóteses de instituição e funcionamento de fundos. Os fundos existentes na data da promulgação da Constituição de 1988 foram extintos sob condição, com as ressalvas aí especificadas, conforme art. 36 do ADCT.

Esse fundo absurdo nasceu sob a bandeira de democracia para igualar os candidatos pobres àqueles mais abastados. Só que convenientemente esqueceram-se de regulamentar a distribuição de fabulosos recursos públicos entre os postulantes a cargos eletivos. Muitos ficam chupando dedos à espera de recursos que nunca chegaram. Dizia o Ministro Nelson Jobim que o fundo partidário é absolutamente incompatível com as eleições proporcionais.

Pergunto, por que cargas d’água devo contribuir para a campanha de um político que eu o detesto por causa da conhecida pecha de corrupto? Onde a democracia nisso?

Incrível como neste País os absurdos são facilmente guindados à posição de práticas sadias e democráticas. Será o fenômeno mundial da imbecilização?

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