Exame técnico do processo de cassação da chapa Dilma/Temer

O julgamento do processo AIME 761 (Ação de Impugnação de Mandato Eletivo) terminou afinal no dia 9 último com a absolvição dos impugnados por maioria de votos (4 x 3).

Ofuscado pelas luzes dos holofotes o Ministro-Relator Benjamin iniciou a sua fala com a construção de uma meta condenatória ao invés de começar pelo exame das provas pertinentes e validamente colhidas em confronto com os fatos articulados na petição inicial, como era de se esperar. Fez uma salada completa entre o que é relevante para a AIME e o que é relevante para outras esferas, fato perfeitamente compreensível para um leigo, mas não para um Ministro.

Ora, o art. 14, § 10 da CF prescreve que o “mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”. O § 11 determina que o processo tramite em segredo de justiça, sob pena de responsabilidade do autor.

Nos termos da LC nº 64/94, aplicável ao caso, temos: (a) 15 dias para apresentar a AIME a contar da data da diplomação; (b) 24 dias para proferir decisão final. O que houve no caso presente? O sigilo foi quebrado sob o inexplicável manto do interesse público. Levou-se longos 2 anos e meio atropelando o prazo legal de 24 dias, expondo o supremo mandatário da nação por todo esse absurdo período. Os autos ficaram aguardando acontecimentos de fatos novos para serem incorporados, engrossando o processo mediante o artifício de aditar a inicial. É inacreditável, mas isso aconteceu, ignorando o princípio constitucional do devido processo legal, garantia maior do cidadão. O Relator alinhou três fundamentos da AIME: abuso de poder político; abuso de poder econômico; e abuso de uso da rede social. O único fundamento pertinente, abuso de poder econômico, foi esvaziado pelo próprio Relator que afirmou reiteradamente que a verba destinada à campanha havia sido desviada em sua grande parte. Ora, se a verba não foi utilizada na campanha não há que se falar em abuso de poder econômico capaz de alijar a chapa concorrente do pleito. Não pode um Ministro ignorar o significado da expressão que está expresso em lei. A Ministra Rosa Weber dourou de pílula o voto condenatório do Relator centrando sua decisão no aspecto ético-moral e, no auge de sua apaixonante retórica só faltou cassar a sua própria investidura no cargo de Ministro do TSE, nomeada que foi pela Presidente diplomada de forma viciada e inválida.

Infelizmente, ao invés de um julgamento técnico, rápido e sereno, dentro do devido processo legal, para causar menor estrago político-institucional possível, os holofotes ofuscaram a mente dos julgadores que partiram para inflamados discursos moralistas, fazendo às vezes de salvadores da pátria. Todos se aproveitaram do episódio para escrever sua biografia à custa da Nação.  Como disse o Ministro Gilmar Mendes, “não se muda um Presidente de uma hora para outra, mesmo que se queira”. No presidencialismo, com crise ou sem crise, o Presidente cumpre seu mandato até o final, ressalvada apenas a hipótese do impeachment pela Casa do Povo e não por 7 Ministros. Enquanto continuar esse sistema presidencialista apodrecido pela raiz, conhecido como presidencialismo de coalizão, sempre haverá um governo de irresponsabilidade por tempo certo, em contraposição ao sistema parlamentarista que representa um governo de responsabilidade por tempo incerto. É hora de repensar o sistema de governo para evitar a repetição de episódios como este.

* Jurista com 32 obras publicadas. Acadêmico da Academia Paulista de Letras Jurídicas, da Academia Brasileira de Direito Tributário e da Academia Paulista de Direito.

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