Indústria das multas

As multas aplicadas tanto no campo tributário como no campo administrativo, nas três esferas políticas são exacerbadas. Têm um nítido propósito arrecadatório, configurando um autêntico desvio de finalidade.

Infrações tributárias que não implicam falta de pagamento de imposto são punidas com multas bem superiores às infrações relativas à falta de pagamento do imposto devido que incidem sobre o valor do tributo não pago, e não sobre o valor da operação como no primeiro caso. Isso viola o princípio da razoabilidade e proporcionalidade.

Daí a tendência da jurisprudência de cancelar as multas por infrações concebidas por contribuintes de boa-fé. Até no âmbito administrativo o CARF editou a Súmula 74 para aplicar retroativamente a disposição legal que revoga a multa de ofício isolada.

No campo da punição administrativa a multa é também exorbitante. A lei nº 11.334/06 reduziu as multas de trânsito e reclassificou as infrações, mas ela continua sendo bastante elevada.

Isso estimula os governantes a aparelhar as vias públicas e as rodovias com sofisticados aparelhos eletrônicos que incluem radares móveis escondidos sob as pontes ou entre as árvores, para flagrar os incautos motoristas e assim arrecadar os recursos financeiros de que necessitam, aparentemente, para implementar os planos de governo.

No final da gestão do Prefeito anterior, o Município de São Paulo, muito provavelmente, deve ter batido o recorde em termos de imposição de multas de trânsito. A finalidade dessas multas escorchantes não é a de reeducar o motorista, nem a de melhorar o fluxo do trânsito sempre engarrafado por ausência de um planejamento racional de tráfego, de mau funcionamento dos semáforos, alguns deles, mais prejudicando do que ajudando o fluxo de veículos, e à falta de fiscalização nos locais que não rendem multas por atacado.

No mês de dezembro, provavelmente, para fechar o balanço do exercício de 2012, houve aplicação indiscriminada de multas “por não ligar a seta” na mudança de uma faixa para outra nas avenidas movimentas da cidade. Em compensação outras ruas menores, porém, importantes em termos de trânsito, continuaram congestionadas por causa de estacionamentos em locais sinalizados com placas de proibição. Se não querem fiscalizar por que colocaram tantas placas proibitivas em lugares antes destinados à zona azul? Essas transgressões atrapalham a vida de meio mundo, mas as multas não são aplicadas porque não rendem tanto quanto nas grandes avenidas aonde é possível multar milhares por falta de sinalização por mudança de faixas. Isso nunca atrapalhou quem quer que seja e nem causou acidentes, pois essas mudanças são feitas após a inspeção ocular pelo espelho retrovisor. Há anos que dirijo na 23 de Maio e nunca vi alguém “dar uma fechada” na mudança de faixas.

Está na hora de promover uma alteração legislativa para eleição de um critério que não leve o infrator à insolvência com as multas exacerbadas em vigor. E a fiscalização há de estar sempre voltada para o interesse relativo ao tráfego e nunca para a maior receita pública.

De outro lado, a Lei nº 4.320/64 deve ser revista para prever especificamente uma dotação pertinente à receita oriunda de multas. Dir-se-á que a multa tributária tem natureza tributária, porque ela constitui obrigação principal. Tudo bem. Porém, as multas administrativas não têm qualquer dotação específica, o que contraria o princípio da transparência orçamentária.

O cidadão tem o direito de saber quanto cada ente político arrecadou de multas e para onde estão sendo direcionados esses recursos certamente vultosos.

Somente por via de transparência é possível ao cidadão combater as indústrias de multas, um cancro que corrói a administração pública.

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