Lei de improbidade administrativa

Lei de improbidade administrativa

Kiyoshi Harada*

A Lei nº 8.429, de 2.6.1992, veio à luz para combater o comportamento de agentes públicos em geral que atentam contra a probidade administrativa, quer obtendo enriquecimento ilícito, quer causando prejuízo ao erário, quer ainda, ferindo os princípios da administração pública.

Como se vê, é uma das leis com forte componente político e por isso, difícil de ser aplicada. Houve tentativa de sua extirpação do mundo jurídico alegando vício legislativo, afastado pela Suprema Corte [1]. Seguiu-se várias tentativas de alterações legislativas para enfraquecer o seu conteúdo, sendo que algumas delas prosperam[2]. E novo ataque judicial foi perpetrado pelo PMN que, desta vez, sustentou a existência de vício de natureza material da Lei 8.429/92 [3].

Para tentar alcançar um dos objetivos dessa lei de difícil aplicação foi sancionada a Lei de Ficha Limpa, resultante de iniciativa popular, tentando impedir a candidatura de agentes públicos condenados em segunda instância, por ato de improbidade em qualquer de suas modalidades, independentemente de trânsito em julgado da decisão condenatória.

Essa lei, também vem sofrendo interpretação flexibilizada de sorte que temos um parlamentar que foi diplomado, apesar de sua condenação pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Como os atos de improbidade persistiram causando, muitas vezes, o desequilíbrio das contas públicas veio à tona um novo diploma legal, desta feita, sob pressão da comunidade financeira internacional. É a Lei Complementar nº 101, de 4-6-2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal. Suas normas, igualmente, vêm sendo contornadas, quando não afrontadas diretamente. É ocaso do art. 11 que considera com requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, a previsão e a efetiva arrecadação de todos os tributos de competência constitucional dos entes federativos. Aliás, a União até hoje não instituiu o imposto sobre as grandes fortunas que lhe coube na partilha de rendas tributárias. Outro dispositivo da LRF que vem sendo sistematicamente descumprido é o art. 14, que dispõe sobre condições para a concessão ou ampliação de incentivos fiscais. As três esferas políticas vêm concedendo incentivos fiscais cada vez mais casuísticas ao sabor dos interesses políticos do momento. Resulta disso tudo que as contas públicas nunca fecham. No exercício de 2014 houve necessidade de manobra legislativa para neutralizar os efeitos do malogro total da previsão do superávit primário inserida na LDO. A previsão não teria sido alcançada, segundo explicações do governo, por causa das desonerações tributárias feitas ao arrepio da LRF.

Voltando à aplicação da Lei nº 8.429/92, vale a pena mencionar a recentíssima decisão proferida pela 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo que reformou a escorreita decisão de primeira instância, sob o argumento de que a improbidade administrativa exige dolo e prova de prejuízo ao erário[4]. No caso, o agente público, um ex Prefeito, havia sido condenado com base no art. 11 da Lei nº 9.429/92, que assim prescreve:

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;”

Verifica-se da norma transcrita que não há referência à conduta culposa como há em relação ao art. 10, donde se conclui que a conduta aí tipificada é dolosa.

A conduta do agente, segundo a doutrina vigorante, é sempre dirigida a um fim. Se esse fim for ilícito estaremos diante de conduta dolosa; se o fim visando for lícito estaremos diante de conduta culposa. Pela técnica de interpretação, a conduta dolosa é a regra, sendo que a conduta culposa depende de expressa previsão legal como no caso do art. 10 que tipifica tanto a conduta dolosa como a simplesmente culposa. Quando a conduta do agente público for lícita e não contemplar a lei a modalidade culposa, aquela conduta passa a ser irrelevante juridicamente. Quando a conduta é lícita somente aquela qualificada de culposa pode gerar responsabilidade do agente público. E a culpa é caracterizada pela negligência, imperícia e omissão, como no caso do art. 10 sob exame que abrange, também, essa modalidade de conduta. Na conduta tipificada no art. 11, em que está ínsita a conduta dolosa, não se exige o prejuízo ao erário. Basta tão só a contrariedade aos princípios da administração pública aí enumerada com base no art. 37 do CF.

Interpretar é, sem dúvida, tarefa do judiciário. Mas, essa faculdade deve ser exercida com base na observância rigorosa das regras da hermenêutica sob pena de esvaziar o objetivo da lei que visa proteger a probidade na administração pública.

17-4-15

Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Site: www.haradaadvogados.com.br



[1] ADI nº 2182-DF, Dj de 19-3-2004

[2] Lei nº 12.120/2009

[3] ADI nº 42.95, sem julgamento por quanto.

[4] AP.Civ. nº 0238-72.2012.8.26.0301, Rel. Des. Carlos Violante

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