O novo Código de Processo Civil e a questão do prazo no processo administrativo tributário

O novo estatuto processual veio à luz, aparentemente, para tentar agilizar a prestação jurisdicional do Estado que depende muito mais da vontade política de todos os operadores do direito do que de instrumentos processuais modernos, que não são autoaplicáveis. Mas, é o nosso velho hábito de tentar resolver todos os males por meio de instrumentos normativos que, às vezes, agravam os problemas existentes.

Inegável o avanço que o CPC de 2015 representa em termos de incorporação de modernas doutrinas processualísticas e de utilização de sofisticados meios probatórios com o emprego de tecnologias de ponta no campo da informática.

Contudo, algumas inovações trazidas conspiram contra a celeridade processual com o potencial de reacender as discussões do passado. Abordaremos neste breve estudo a questão do prazo processual que é aplicável, também, de forma subsidiária no âmbito do processo administrativo tributário.

Agora, com o advento do art. 219 do novo CPC “na contagem de prazo em dias estabelecido pela lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”. Esclarece o seu parágrafo único que essa regra só tem aplicação em se tratando de prazo processual.

A primeira observação que se faz é a de que convolar o prazo contínuo do estatuto processual antecedente, em contagem apenas de dias úteis, por si só, já contraria a idéia de agilização da prestação jurisdicional que levou o legislador a elaborar um novo Código de Processo. Após décadas de discussões já estava absolutamente pacificada na doutrina e na jurisprudência a contagem contínua dos prazos processuais, com a exclusão do dia do início e a inclusão do dia do vencimento.

A segunda observação é a de que o novo Código irá suscitar discussões para distinguir prazo material, do prazo processual. São prazos matérias, por exemplo, na área da legislação do inquilinato, o prazo de 90 dias para desocupação do prédio dado pelo adquirente ao locatário; o prazo de 30 dias para o fiador se exonerar do encargo, os casos previstos em lei; o prazo de 30 dias para o locatário exercer o direito de preferência na aquisição do imóvel etc. Não há na lei definição do que seja prazo processual, matéria a ser tratada pela doutrina e jurisprudência. O que sabemos é que o prazo processual pressupõe existência de um processo, assim entendido como meio de solução da lide, administrativa ou judicialmente.

Vejamos, agora, os prazos no âmbito do processo administrativo tributário. Na generalidade das legislações dos entes componentes da Federação não há dispositivos versando sobre contagem contínua dos prazos, ou da contagem de apenas dias úteis, pelo que, torna aplicável subsidiariamente o art. 219 do novo CPC.

Se examinarmos o Decreto nº 70.235/72 que rege o processo administrativo fiscal da União verificaremos, dentre outros, os seguintes prazos:

  • A impugnação do lançamento “no prazo de trinta dias, contados da data em que for feita a intimação da exigência” (art. 15);
  • “Não sendo cumprida a exigência, nem sendo impugnada a exigência, a autoridade preparadora declarará a revelia, permanecendo o processo no órgão preparador, pelo prazo de trinta dias, para cobrança amigável” (art. 21).
  • Dispõe o § 2º, do art. 23: “Considera-se feita a intimação: […] II – no caso do inciso II do caput deste artigo, na data do recebimento ou, se omitida, quinze dias após a data da expedição da intimação; III – por meio eletrônico: a) 15 (quinze) dias contados da data registrada no comprovante de entrega no domicílio tributário do sujeito passivo; IV – quinze dias após a publicação do edital, se este for o meio utilizado”;
  • “Da decisão caberá recurso voluntário, total ou parcial, com efeito suspensivo, dentro de trinta dias seguinte à ciência da decisão” (art. 33).

Dessas quatro hipóteses em qual ou quais delas aplica-se a contagem do prazo considerando apenas os dias úteis?

Quanto à hipótese “d” não temos dúvidas em afirmar que se aplica o art. 219 do novo CPC, por se tratar de prazo processual para apresentação de recurso voluntário. Nas demais hipóteses há dúvidas. O prazo de permanência do processo na repartição pública (letra b), bem como, o prazo em que se considera feita a intimação nos casos mencionados na letra “c” podem ser entendidos como sendo prazos materiais, apesar de pressupor a existência do processo. É que nessas hipóteses não configuram prazos processuais a cargo das partes litigantes. Qual, a final, a conseqüência se a autoridade administrativa competente retiver o processo por 31 dias, e não 30 dias, no órgão preparador referido na letra b? Nenhuma conseqüência terá, mas, se o recurso for interposto no 31º dia útil ele não será conhecido.

Dúvida maior suscita a hipótese “a” que versa sobre o prazo de defesa ou impugnação do lançamento em 30 dias, a contar da intimação da exigência feita. É que enquanto não for apresentada a defesa ou impugnação não se cogita de processo. Não cabe falar em prazo processual antes da existência do processo. O processo como meio de solução da lide só se instaura com a contestação, defesa ou impugnação. Trata-se, portanto, de um prazo material, tal qual o prazo de 120 dias para ingressar com o mandado de segurança contra ato ilegal e abusivo da autoridade pública. O prazo de impetração do mandamus, assim como, o prazo para a propositura de ação renovatória representado pelo interregno de um ano e seis meses, firmou-se a jurisprudência no sentido de o prazo ser de material, após anos de debates.

Como se verifica, o Código de Processo Civil de 2015, que já sofreu algumas alterações antes da sua entrada em vigor, trouxe dúvidas e incertezas antes inexistentes, como no caso sob exame.

Na dúvida, é sempre aconselhável a aplicação da contagem do prazo contínuo, segundo a lei de regência de cada caso concreto.

 

* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito.  Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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